Menu

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Revista ÉPOCA: Narjara Turetta dá a volta por cima: “Trabalhar na rua foi bom para aprender a ser humilde”




A vida de Narjara Turetta daria uma novela. Aos três anos, já estava em comerciais. Aos sete, fazia monólogos num programa de variedades. Adolescente, brilha numa série da maior emissora do país. Adulta, porém, começa a sentir as portas se fechando. Seu nome, de origem indígena, vira piada em humorístico. Os papéis vão se tornando raros, até cessarem por completo. Então, ela vai vender água de coco na rua. Afinal, era preciso sobreviver. Até que, aos 44 anos, tem nova chance, ganha papel e brilha em novela.

Foi assim a história de Narjara, que ficou mais conhecida do grande público em 1979, quando dividiu a cena com Regina Duarte na minissérie Malu Mulher. Ela vivia Elisa, a filha da protagonista. Foi considerada um prodígio, por sua espontaneidade e segurança, ao contracenar com a atriz mais querida do país. Antes, já havia feito novelas na Tupi, aos nove anos, e na TVS (hoje SBT), contracenando com feras como Paulo Goulart e Nicete Bruno. Quando Malu Mullher acabou, Narjara fez mais cinco novelas na Globo, ao longo dos anos 80. Nos anos 90, deixou de receber convites. Fazia pequenas participações especiais, muito espaçadas, que não eram suficientes para ela pagar suas contas. Para piorar, o humorístico TV Pirata usou seu nome para batizar uma unidade monetária. Na época, a moeda brasileira trocava de nome a toda hora, e os roteiristas chegaram a esta piada.

Narjara chegou a ir a programas de auditório contar sua história e pedir trabalho. Mas não conseguiu. Sem dinheiro e aconselhada por uma amiga, ela pediu que uma empresa lhe desse um carrinho de água de coco. E foi vender pelas ruas. Chegou a candidatar-se a vereadora, mas não foi eleita. Ao entrar no Twitter, descobriu que tinha uma legião de fãs. Ganhou amigos, que começaram a torcer por ela, fazendo uma campanha por sua volta à televisão. Foi entrevistada por Jô Soares, que pediu, no ar, que fosse dado um papel a ela.

Este ano, surgiu uma fada-madrinha. De calças. O escritor e grande novelista Walcyr Carrasco resolveu lhe dar um bom papel em Morde & Assopra, do horário das sete. Já nas primeiras cenas, sua personagem, Lilian, comerciante que esconde um segredo, ganhou elogios do autor e da crítica de TV. Agora ela quer se esforçar para que não seja só um bom momento, mas o começo de uma nova – e boa – fase em sua carreira.

Narjara, de 44 anos, paulistana que mora no Rio desde criança, é solteira e não tem filhos. Mora com a mãe em Copacabana. Ela falou ao Mulher 7×7:

Como você foi parar na televisão?

Aos dois anos, eu queria ser cantora. Minha mãe me levou para fazer testes e fiz comerciais a partir dos três anos. Aos quatro, tentei entrar para uma novela na Record. Não fui aprovada, mas encontramos lá na emissora o Durval de Souza que ia fazer um programa de crianças – e me chamou. Em 1971, estreei na Record de São Paulo no programa A Grande Ginkana,onde eu dizia monólogos e apresentava os palhaços Arrelia e Pimentinha. Foram 13 programas. Depois, adolescente, veio Malu Mulher, um trabalho espetacular. Dali em diante comecei a fazer novelas.

Por que você acha que ficou tanto tempo sem trabalhar na TV, já que teve um belo início?

Eu me fiz essa pergunta por anos. Faço até hoje. Mas não encontro resposta! Talvez, mesmo com meu bom início, os autores e diretores não acreditassem no que eu era capaz de fazer. Foi muito triste ficar sem fazer o que gosto, minha atividade desde pequena. Mas, de certa forma, eu segui confiando. Tive muita ajuda de minha mãe, minha grande companheira, de 75 anos, que sempre me deu muita força e me ajudou a conservar o bom astral. Sem ela, inclusive, eu não teria coragem para enfrentar as ruas e vender água de coco.

Você não tinha outra saída?

Não. Depois que eu não tive mais contrato com a TV, cheguei a dar aulas de interpretação. Em 2002, sem trabalho, fui a vários programas de auditório falar sobre meu desemprego. Mas foi como dar murro em ponta de faca. Naquela época, esse carrinho de vender água de coco na rua era uma novidade, que eu conheci através de uma amiga. Eu sequer tinha dinheiro para comprar um. Mas pedi no site da empresa e eles me cederam. Então eu e minha mãe fomos para as ruas. Foram oito anos sobrevivendo desta maneira.

E como foi?

No começo, muito difícil. A gente morria de vergonha, as pessoas me reconheciam. Saíram matérias sobre isso. Mas nada mudou. Às vezes, minha mãe ficava sozinha para eu fazer trabalhos como dubladora. Ganhamos muitos amigos, conhecemos pessoas muito boas. Mas era um trabalho braçal. Eu carregava peso, tinha calos nas mãos, dores no corpo, manchas roxas nas pernas.

Como aconteceu o convite para a sua volta?

Ano passado, fiz uma participação em Páginas da Vida, no papel de empregada. Eu já estava no Twitter, onde aconteceu uma campanha virtual, a #voltanarjara. Isso me ajudou a ter visibilidade de novo. E foi justamente pelo Twitter que o Walcyr (Carrasco) me disse que eu teria uma surpresa! Três dias depois recebi um telefonema da TV Globo!

A que você atribui o sucesso de sua personagem em Morde & Assopra, a Lilian?

Ao bom texto do Walcyr. Se eu consigo passar emoção com minha personagem, é porque ele escreve cenas muito boas. E ter boas críticas, inclusive uma nota 10 da (Patrícia) Kogut (no jornal O Globo) é uma sensação incrível e um incentivo para eu me dedicar ainda mais. Eu estou adorando voltar aos estúdios. Foi lá que vivi grande parte da minha vida. Estava sentindo muita falta. E o elenco da novela é adorável! Todos são gentis, divertidos.

E o futuro?

Espero que esse trabalho se desdobre em outros convites. O principal é me empenhar nas cenas lindas que o Walcyr me dá. Eu me entrego, sinto a dor da personagem. Tento mostrar do que sou capaz, provar que tenho talento e, assim, me tornar visível para outros autores e diretores. Não sou mais tão jovem e nem me enquadro no quesito beleza, mas acho que há espaço para todos.

Durante este tempo em que você esteve fora da TV, algum antigo colega manteve contato?

Glória Pires. Sempre. É minha amiga desde 1980 e nunca me abandonou, mesmo morando nos Estados Unidos e depois na França. Nos falávamos frequentemente. Regina Duarte também é uma colega incrível. Quando nos encontramos em Páginas da Vida, ela me deu um computador de presente, que eu uso até hoje. Aprendo muito com elas. Eva Wilma é outra grande referência pra mim.

O que fez você manter a esperança este tempo todo?Tenho fé em Deus. Sou católica, mais praticante do que nunca. Vou à missa e converso muito com Deus. Mas tenho amigos evangélicos e às vezes os acompanho nos cultos. Não tenho preconceito. Minha mãe também é muito religiosa, tanto que meu nome é Narjara Aparecida. Rezo muito para Nossa Senhora.

O que você aprendeu com a sua história?

A ser humilde. E trabalhar na rua me deu grande firmeza, força e coragem para enfrentar o que vier

Nenhum comentário:

Postar um comentário